vida, aos que se importam
O som vem como uma faca cortando ao meio o silêncio do casal da mesa ao lado. Provavelmente é o fim do relacionamento. Está tocando “Ticket to Ride” no Café Esquina.
Tem outro casal sentado à minha frente, mas são duas garotas, duas belas garotas apaixonadas. Trocam olhares urgentes e uma segura a mão da outra da maneira mais terna que já vi. O pobre capuccino deve estar constrangido, está visivelmente sobrando.
Ao meu lado esquerdo tem uma moça trabalhando. Trouxe o notebook e o celular, não para um só instante. “A Ana? Deve estar no fórum”, “Azar do André, ele não me mandou nada, acabei de checar meu e-mail”. É uma mulher com a expressão cansada e ao mesmo tempo carrega certa paixão nos olhos, deve ser pelo trabalho, provavelmente é uma daquelas pessoas sortudas que amam sua profissão. Seu café espresso está sobrando tanto quanto o capuccino.
A mesa perto da janela está ocupada por um rapaz que também tem um notebook, mas acho que ele não está trabalhando. Há apenas uma garrafa de água gelada em cima da mesa.
No canto eu consigo avistar uma moça bem jovem. Ela está escrevendo, creio eu que seja um romance. É uma menina tentando se passar por mulher. Os olhos são tristes, carregados de delineador preto e angústia e na boca um forte batom vermelho, com o mesmo tom da blusa. Na mesa tem papeis, canetas, cigarros e uma coisa que deixa transparecer toda sua meninice, uma xícara de chocolate quente. Caso fossemos amigos, eu lhe diria “Não adianta vestir essa capa de mulher e carregar o fardo de um sofrimento inventado, você é ainda uma menina que pode ser leve e ver a vida por uma janela mais bonita”.
Olho para o lado de fora e me deparo com uma família dividindo uma mesinha. Pai, filha e mãe com o bebê no colo. A menininha pediu um milkshake, a mãe, ocupada demais para se importar com ela mesma, não pediu nada e o pai bebe um café fraco enquanto tenta se concentrar num jornal. Na mesa há várias guloseimas, tipo de coisa que só poderia vir da vontade de uma criança.
A garçonete, com um ar francês, está limpando uma mesa e ao mesmo tempo entra um senhor, se senta e pede um chá gelado. Ele aprecia cada gole, cada pessoa, cada canto do Café. Esse senhor sabe aproveitar a vida, está explícito em seus olhos.
Uma mocinha tímida me chamou a atenção. Ela pediu um pão de queijo e uma lata de refrigerante como se fosse uma ofensa não pedir café num lugar onde vende café. Seu pão de queijo acabou, ela quer outro, mas não vai pedir. Quem ela pensa que é para incomodar a garçonete com sua mera vontade de outro pão de queijo? Ela deseja que o refrigerante não acabe.
Em contrapartida, em outra mesa, um homem não para de pedir água com gás, a garçonete até faz cara feia quando ele a chama. O pobre coitado espera por alguém que nunca chega. Ele aparenta ter uma vida cheia de desencontros, muitas pessoas que nunca chegam, seu corpo todo grita impaciente “Eu tenho um vazio de gente”.
O senhor do chá gelado está me olhando, ele tem um olhar analítico, me intimida. Acredito que tenha percebido como tento driblar a carência desviando minha atenção para os outros. Como eu me aposso dos pedaços de vida que cada pessoa transparece e me preencho com eles, como se de fato fossem meus.
O cheiro dos grãos de café, que estão no balcão, invade meu nariz e enfim uma garçonete traz minhas torradas.
“She would never be free
when I was around
Ah, she's got a ticket to ride
she's got a ticket to ride
she's got a ticket to ride,
but she don't care”
Tem outro casal sentado à minha frente, mas são duas garotas, duas belas garotas apaixonadas. Trocam olhares urgentes e uma segura a mão da outra da maneira mais terna que já vi. O pobre capuccino deve estar constrangido, está visivelmente sobrando.
Ao meu lado esquerdo tem uma moça trabalhando. Trouxe o notebook e o celular, não para um só instante. “A Ana? Deve estar no fórum”, “Azar do André, ele não me mandou nada, acabei de checar meu e-mail”. É uma mulher com a expressão cansada e ao mesmo tempo carrega certa paixão nos olhos, deve ser pelo trabalho, provavelmente é uma daquelas pessoas sortudas que amam sua profissão. Seu café espresso está sobrando tanto quanto o capuccino.
A mesa perto da janela está ocupada por um rapaz que também tem um notebook, mas acho que ele não está trabalhando. Há apenas uma garrafa de água gelada em cima da mesa.
No canto eu consigo avistar uma moça bem jovem. Ela está escrevendo, creio eu que seja um romance. É uma menina tentando se passar por mulher. Os olhos são tristes, carregados de delineador preto e angústia e na boca um forte batom vermelho, com o mesmo tom da blusa. Na mesa tem papeis, canetas, cigarros e uma coisa que deixa transparecer toda sua meninice, uma xícara de chocolate quente. Caso fossemos amigos, eu lhe diria “Não adianta vestir essa capa de mulher e carregar o fardo de um sofrimento inventado, você é ainda uma menina que pode ser leve e ver a vida por uma janela mais bonita”.
Olho para o lado de fora e me deparo com uma família dividindo uma mesinha. Pai, filha e mãe com o bebê no colo. A menininha pediu um milkshake, a mãe, ocupada demais para se importar com ela mesma, não pediu nada e o pai bebe um café fraco enquanto tenta se concentrar num jornal. Na mesa há várias guloseimas, tipo de coisa que só poderia vir da vontade de uma criança.
A garçonete, com um ar francês, está limpando uma mesa e ao mesmo tempo entra um senhor, se senta e pede um chá gelado. Ele aprecia cada gole, cada pessoa, cada canto do Café. Esse senhor sabe aproveitar a vida, está explícito em seus olhos.
Uma mocinha tímida me chamou a atenção. Ela pediu um pão de queijo e uma lata de refrigerante como se fosse uma ofensa não pedir café num lugar onde vende café. Seu pão de queijo acabou, ela quer outro, mas não vai pedir. Quem ela pensa que é para incomodar a garçonete com sua mera vontade de outro pão de queijo? Ela deseja que o refrigerante não acabe.
Em contrapartida, em outra mesa, um homem não para de pedir água com gás, a garçonete até faz cara feia quando ele a chama. O pobre coitado espera por alguém que nunca chega. Ele aparenta ter uma vida cheia de desencontros, muitas pessoas que nunca chegam, seu corpo todo grita impaciente “Eu tenho um vazio de gente”.
O senhor do chá gelado está me olhando, ele tem um olhar analítico, me intimida. Acredito que tenha percebido como tento driblar a carência desviando minha atenção para os outros. Como eu me aposso dos pedaços de vida que cada pessoa transparece e me preencho com eles, como se de fato fossem meus.
O cheiro dos grãos de café, que estão no balcão, invade meu nariz e enfim uma garçonete traz minhas torradas.
“She would never be free
when I was around
Ah, she's got a ticket to ride
she's got a ticket to ride
she's got a ticket to ride,
but she don't care”
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