sábado, 21 de fevereiro de 2009

vida, aos que se importam

O som vem como uma faca cortando ao meio o silêncio do casal da mesa ao lado. Provavelmente é o fim do relacionamento. Está tocando “Ticket to Ride” no Café Esquina.
Tem outro casal sentado à minha frente, mas são duas garotas, duas belas garotas apaixonadas. Trocam olhares urgentes e uma segura a mão da outra da maneira mais terna que já vi. O pobre capuccino deve estar constrangido, está visivelmente sobrando.
Ao meu lado esquerdo tem uma moça trabalhando. Trouxe o notebook e o celular, não para um só instante. “A Ana? Deve estar no fórum”, “Azar do André, ele não me mandou nada, acabei de checar meu e-mail”. É uma mulher com a expressão cansada e ao mesmo tempo carrega certa paixão nos olhos, deve ser pelo trabalho, provavelmente é uma daquelas pessoas sortudas que amam sua profissão. Seu café espresso está sobrando tanto quanto o capuccino.
A mesa perto da janela está ocupada por um rapaz que também tem um notebook, mas acho que ele não está trabalhando. Há apenas uma garrafa de água gelada em cima da mesa.
No canto eu consigo avistar uma moça bem jovem. Ela está escrevendo, creio eu que seja um romance. É uma menina tentando se passar por mulher. Os olhos são tristes, carregados de delineador preto e angústia e na boca um forte batom vermelho, com o mesmo tom da blusa. Na mesa tem papeis, canetas, cigarros e uma coisa que deixa transparecer toda sua meninice, uma xícara de chocolate quente. Caso fossemos amigos, eu lhe diria “Não adianta vestir essa capa de mulher e carregar o fardo de um sofrimento inventado, você é ainda uma menina que pode ser leve e ver a vida por uma janela mais bonita”.
Olho para o lado de fora e me deparo com uma família dividindo uma mesinha. Pai, filha e mãe com o bebê no colo. A menininha pediu um milkshake, a mãe, ocupada demais para se importar com ela mesma, não pediu nada e o pai bebe um café fraco enquanto tenta se concentrar num jornal. Na mesa há várias guloseimas, tipo de coisa que só poderia vir da vontade de uma criança.
A garçonete, com um ar francês, está limpando uma mesa e ao mesmo tempo entra um senhor, se senta e pede um chá gelado. Ele aprecia cada gole, cada pessoa, cada canto do Café. Esse senhor sabe aproveitar a vida, está explícito em seus olhos.
Uma mocinha tímida me chamou a atenção. Ela pediu um pão de queijo e uma lata de refrigerante como se fosse uma ofensa não pedir café num lugar onde vende café. Seu pão de queijo acabou, ela quer outro, mas não vai pedir. Quem ela pensa que é para incomodar a garçonete com sua mera vontade de outro pão de queijo? Ela deseja que o refrigerante não acabe.
Em contrapartida, em outra mesa, um homem não para de pedir água com gás, a garçonete até faz cara feia quando ele a chama. O pobre coitado espera por alguém que nunca chega. Ele aparenta ter uma vida cheia de desencontros, muitas pessoas que nunca chegam, seu corpo todo grita impaciente “Eu tenho um vazio de gente”.
O senhor do chá gelado está me olhando, ele tem um olhar analítico, me intimida. Acredito que tenha percebido como tento driblar a carência desviando minha atenção para os outros. Como eu me aposso dos pedaços de vida que cada pessoa transparece e me preencho com eles, como se de fato fossem meus.
O cheiro dos grãos de café, que estão no balcão, invade meu nariz e enfim uma garçonete traz minhas torradas.

“She would never be free
when I was around

Ah, she's got a ticket to ride
she's got a ticket to ride
she's got a ticket to ride,
but she don't care”

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domingo, 15 de fevereiro de 2009

um monólogo amargo

Que você, meu bem, seja mais feliz do que eu, ame pessoas mais legais do que eu amei e não se jogue de cabeça em cada relação assim como eu faço. Não vale a pena se machucar por quem não vale a pena. Essa história de “você merece pessoa melhor” é muito verdade quando se trata de certos alguéns. Não que as pessoas sejam ruins, elas só não te amam o tanto que você as ama, então ficaria melhor dizer “você merece alguém que te ame o mesmo tanto que você”. Nem de menos e nem de mais, o equilíbrio é a medida certa. Amar de mais só machuca a gente e amar de menos só machuca os outros. Não queremos ser a pessoa que não vale a pena, não é mesmo?

Falo essas coisas para ti porque entendo do assunto, coração machucado é comigo mesma. Mas eu não ligo, sabe. Aliás, agora eu não ligo, já dei muita importância para isso antes. No entanto, com o tempo eu percebi que os relacionamentos acabam, mas a gente continua inteira e vivendo. As pessoas passam, deixam marcas, mas nenhuma marca é tão profunda que nos faça sangrar até morrer, entende? Eu sei que isso foi trágico, mas é verdade. A gente dá muita importância para as dores que o coração sente. Aprendi a dar importância só se for enfarto ou algum tipo de ataque, fora isso eu tento não ligar, passa batido mesmo. Quer doer, que doa, mas não espere que eu dê atenção.

Eu não diria que virei uma pessoa amarga, apenas uma pessoa que vê a realidade pura e simples, eu não exagero, ela é cruel por si só. As pessoas sonham justamente pra fugir disso. Eu era amarga antes, passei muito tempo encarando o amor como revoluções hormonais no nosso corpo, mas essa realidade é muito crua, incomoda até a mim. No entanto ainda penso que ninguém morre por falta de namorado, as pessoas podem até morrer por falta de companhia, mas ninguém morre por falta de alguém para transar e escorar os problemas. Porque namorar é isso para muitas pessoas, é ter alguém para dividir os problemas, aliviar a carência e ter orgasmos.

Não, essa visão ninguém nunca vai tirar de mim. Eu tenho me envolvido menos com os outros justamente por isso, não sou depósito de lamentações, não levanto autoestima e um orgasmo cada um pode conseguir sozinho. Eu quero um amor saudável e equilibrado. Já foi minha época de loucas paixões, grande dependência, longo sofrimento. Não tenho mais idade pra isso não.

Eu te amei de verdade, eu te amo de verdade. Ninguém ama de mentira. Eu me entreguei como sempre me entrego, não consigo ser de outro jeito, não consigo me dar pela metade. Justamente por isso que eu evito relacionamentos, eu sou intensa e isso não tem como mudar. Eu prefiro evitar do que me atirar em algo que não é saudável. E a experiência me fez aprender a distinguir saudável de destrutivo só de bater o olho.

Eu não fujo do amor e muito menos da dor. Eu disse que não ligo para dor, é diferente. Eu sinto, ela está lá, nunca reprimi e nem pretendo, só não dou importância, isso não é fugir. E evitar relações complicadas não significa fugir do amor, eu me jogo de cabeça quando vejo que pode dar certo, mas quando eu vejo que só trará coisas ruins, por que devo me jogar? Ninguém pula de um penhasco só pra sentir a sensação de liberdade, porque todo mundo sabe que vai acabar morrendo. Eu não vou começar uma relação só pelas sensações boas sabendo que a morte será inevitável.

Chega desse discurso, não me faça mais perguntas, apenas vá embora e pense o que quiser de mim, dos meus sentimentos e do meu amor por ti. Eu não posso fazer nada se você me vê desse jeito. Mas de uma coisa eu sei, em nenhum momento eu duvidei que a gente se casaria e viveria feliz para sempre.

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