sexta-feira, 29 de maio de 2009

Démodé

Eu sei que é patético mandar carta num mundo atulhado de tecnologias, mas eu sou démodé e você sabe. Tenho certeza que a carta chegará antes do dia em que nos falaremos de novo, ela aparecerá antes de ti. Então você perguntará “Mas por quê?” Simples, existe um oceano nos separando, ao invés de 90 km. Cada dia você se distancia mais, tenho medo do oceano se transfigurar num iceberg, tu sabes do meu poder de ser gelada. Se isso acontecer, meu bem, não preciso dizer mais nada, o roteiro do filme é batido.
Suas palavras estão cada vez mais escassas, não por falta de dizer, mas por falta de você, compreende? Quando eu te quero você não está, quando eu preciso você não está. E quando está se faz cada vez mais distante. Suas palavras são superficiais, eu dispenso, depois diz que a estranha sou eu. Sinto muito, eu não consigo te dizer coisas doces sem me machucar por dentro, tudo sai como mentira, uma coisa falsa, tudo que você não merece são falsas palavras. Desculpe-me por te fazer engolir minha expressão triste, apática, mas é tudo que tenho para te oferecer.
Aposto que essa hora você já deve estar pensando “Então eu não significo nada pra ela?”. Claro que significa. Eu não sinto a perda de quem não é nada pra mim, mas você, pequena, ou melhor, a falta de você me corta, me dói mais e mais. Tudo que vivemos foi intenso, bom, único e começou a se apagar. Eu não vivo de passado, as coisas precisam se renovar, e tudo que eu tenho agora são um passado e uma distância. Não consigo mais dizer que você é minha, na verdade nunca foi por completo, e agora é menos ainda, tu és mais que uma pessoa do mundo, tu és de ninguém, ninguém te controla, nem você mesma, todo tipo de amarra é apertada demais para ti.
E nessa altura da carta você dirá “Mas eu tenho minhas responsabilidades, não posso largar a faculdade e viver na sua sombra e desde o início você sabia que não poderia mais ser como antes” Eu sei, sempre soube, nunca vou me esquecer e espero que você também nunca esqueça do que disse “Eu vou morar longe, as coisas vão mudar, mas nada irá abalar o que temos, a certeza do meu amor supre tudo” A certeza de que você me ama? Disso eu nunca duvidei, mas a intensidade essa sim é totalmente mutante, e claro vindo de você todas as ‘certezas’ são incertas. Você deveria ter dito “a certeza do meu amor supre quase tudo”.
Enfim, é triste te ver indo embora, é triste te ver encantada com um novo mundo onde eu não faço parte, é triste saber que pra você já não tem mais graça e o mais triste de tudo é te ter só na lembrança. Eu te amo muito, no entanto o amor começou a ser envolto numa crosta de gelo, sinto muito... Muito por mim, talvez muito por você também. Eu não quero mais ser compreensiva, não quero mais correr atrás de um pouco de atenção, não quero pedir amor, cansei de tudo ser forçado. A balança ficou desigual, a dor está apertando mais do que o amor alivia. Não estou terminando através da carta, claro que você merece um olho no olho, só estou anunciando o ponto final.
Aposto que agora está pensando “O que? O que eu fiz? Ela não entende meu lado, que criança”. Realmente não entendo mesmo, não sobreponho mais seus lados aos meus, agora eu também tenho vontades. E, claro, nesse exato momento você está pensando “Quem ela pensa que é pra saber o que eu penso ou deixo de pensar? Odeio essa mania”... Isso te irrita tanto porque sabes que estou certa.

“Here, There and Everywhere” pra você... e... “Saibas que te amo”

Adeus
Beijos

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domingo, 24 de maio de 2009

"Should've done something, but I've done it enough. By the way, your hands are shaking..."


Um convite à inversão



" '- Eu quero tentar...'
Mas o teto está mofado,
As paredes estão imundas
E minhas unhas estão sujas...

Não me sinto tão só,
Quando há pessoas no quarto,
Elas riem, cantam, reclamam, bebem, fumam...
Mas o teto continua mofado,
As paredes imundas,
E minhas unhas sujas...

A chave sempre fica na porta,
'- Eu sempre abro a porta!' - eco no vazio
Deixo o ar entrar,
Lavo as paredes, corto as unhas...
Mas o teto, sempre...







Certa vez... Verdadeiramente: vez errada,
Eu saí do quarto,
Encarei meus próprios fantasmas,
Andando, contornando o vazio,
Dormindo no chão, chorando nos cantos,
Rindo sozinho, reclamando
Das paredes, do teto, das unhas...
Como eu era frágil, mentiroso, incompleto, doloroso
Rancoroso, doentio...
Sorridente, amoroso...





Fiz uma fogueira em dias frios, de dor,
Queimei minhas memórias,
Várias cores inundaram o quarto,
Fumaças que sujaram as paredes.

Era divertido e doloroso
Arrancar as crostas coloridas das paredes
Umas formigavam debaixo das unhas,
Outras sangravam...






Pintei as paredes,
Achei que a tinta secaria
E permaneceria,
Mas as memórias queimadas, sempre..."



R.M.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

'Tristeza é ver florindo o vasinho de violeta no quarto da filha morta'

Lá estava minha menina, minha bela menina, ainda menina...
Renata sentia dores que não conseguia expressar, externar. Renata gostava de gatos, sentia seu pêlo e via seus olhos sinceros. Renata não gostava de escrever, nem desenhar, nem sentir e nem deitar. Tudo em Renata doía, tudo que Renata sentia. Renata nunca soube porque, nem soube o que dizer, nem nunca se fez existir, nunca quis aparecer.
Ela estava em seu quarto, ele era o único que sabia o que ela gostava, o que ela passava, ele era o único que conseguiu calcular o vazio que ela tinha, todas as dores, todos os sentidos ou a falta deles.
Sempre com música, com quarto e com gato, Renata gostava disso, daquelas paredes já amareladas, daquele gato velho e gordo, daquela música, aquela que dizia “amar é ver o outro morrer... quem vai ver você morrer?” e ninguém sabia, ninguém nunca enxergou Renata, todos sempre viram a menina bonita, dos cabelos tão negros quanto seus olhos, com rosto doce, voz marcante. Ninguém nunca viu que seu olhar também era negro, sua pele tão amarelada quanto as paredes que tanto gostava, ninguém nunca viu a dor que nem ela mesma enxergava, só sentia.
Viam Renata sempre triste, sem ter motivo, ela é jovem, bonita, inteligente, vive assim porque quer, ninguém nessa idade tem problemas, sente coisas, tem desejos maiores do que arrumar um namorado.
Renata não sabia, e ainda não sabe, do que gosta ou deixa de gostar, a menina só sabia doer, talvez ainda saiba.
Essa menina tentava fazer a dor sair, num corte, num simples corte reto em alguma parte coberta do corpo, ela cortava e a dor não saía, cortava mais e a dor estava lá.
De onde vem essa dor? O que é essa dor? Ninguém sabe, nem ela mesma, só sabe que é a pior dor, a dor que te mata devagar até você ceder.
Renata cortou-se, e cortou-se até a dor sair. Veio o sangue, mais sangue, uma tontura e sim, a dor estava indo junto com aquele sangue tão negro quanto seu cabelo, seus olhos e sua expressão. Renata sentia cada gota de sangue saindo. Mais pareciam cacos de vidro.
Ela foi aliviando, amortecendo, adormecendo, caindo... Morrendo.
Renata foi para o hospital, está lá agora, na cama, minha menina, minha jovem menina linda. O sorriso amedrontado não vejo mais, a expressão abatida, a cor amarelada, não vejo mais nada, naquela UTI Renata está leve, sem pedras pra carregar, está branca, sincera.
O médico passa, Renata não acordou, ela não sofre e nem nunca mais sofrerá, minha menina, minha jovem menina... Sem dizer adeus!

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